ANO 7 .............................................. No. 39

SETEMBRO - OUTUBRO - 2002 ............. Director: Álvaro Trigo


INTRODUÇÃO

Normalmente o BOLETIM sai nos primeiros dias do mês a que diz respeito e por vezes um pouco atrasado. Desta vez, devido a férias, ele sai adiantado.

Os mercados financeiros estão a atravessar um período de dificuldade e de grande inconstância, o que torna difícil manter uma opinião consistente sobre os acontecimentos. Neste número não apresentamos nenhuma companhia. Isto ficará para um dos próximos.

COMENTÁRIO

Escândalos, resultados financeiros falsificados e falta de confiança nos gestores de companhias públicas são apontados como causas primárias do presente declínio dos mercados financeiros. Mas outras razões haverá que justificam a actual situação e a ansiedade manifestada por investidores.

Uma newsletter financeira americana, publicada na Virginia, põe a política do presidente George Bush em plano de igualdade com os escândalos financeiros e igualmente responsável pelo estado desastroso das bolsas. Medidas proteccionistas no aço, madeira e têxteis enfraquecem o dólar americano e provocam a baixa nas bolsas. O autor do artigo, Dennis Gartman, um partidário do partido republicano, sente-se comprometido pelas acções do presidente.

Um factor igualmente importante, e que não parece atrair a atenção dos entendidos, é o aparecimento de défices nos orçamentos públicos.

No Canadá o muito proclamado surplus desapareceu, mas ninguém parece reparar nisso... Nos Estados Unidos, uma transferência de recursos económicos para despesas com segurança, vigilância e outras medidas policiais estão a devorar o orçamento americano. No último vídeo de Bin Laden este exortava os seus correligionários a atacarem a economia dos Estados Unidos. Ele não podia ter encontrado melhor ouvinte do que o presidente George W. Bush, agora obsessivamente envolvido numa cruzada de segurança.

A obsessão da administração americana com o Saddam Hussein não favorece o mercado. O que este precisa é estabilidade, não incerteza.

Com as bolsas em baixa e mutual funds a perderem valor, investidores redimem o que lhes resta do seu capital nesta forma de investimento. Como resultado os fundos são obrigados a vender acções para pagar a investidores, criando assim maior pressão de venda.

Depois há sempre a psicologia das multidões. Quando toca a vender (ou a comprar) ninguém quer ficar para trás e todos se atropelam a correr na mesma direcção.

Melhores tempos virão. Esperemos que sim. Mas quando?

BIOTECNOLOGIA

Todos sabemos dos riscos envolvidos em investir em tecnologia. Mas não são só telecomunicações, Internet e as companhias conhecidas como dot.com que nos expõem a riscos. Um sector do mercado financeiro que é sujeito a incertezas é o de biotecnologia. Este é igualmente sujeito a grandes oscilações e imprevistos. No entanto ele tem os seus adeptos.

Recentemente num relatório preparado por um analista financeiro de Merrill Lynch, Eric Ende, este afirma que o sector de biotecnologia terá boa actuação a longo termo. Tal opinião foi corroborada por outros analistas. Segundo Eric Ende as companhias de maior capitalização nesta área estão a recuperar das recentes baixas em preço.

Naturalmente que os resultados em investir em biotecnologia podem ser favoráveis mas o sector é cheio de riscos. Desde a pesquisa inicial para um novo produto até ao seu lançamento no mercado pode demorar anos, isto para aqueles que chegam às farmácias, pois que em muitos casos a investigação é abandonada.

Para as companhias de biotecnologia o estudo e investigação de novos produtos medicinais oferece várias espécies de riscos.

Tanto nos Estados Unidos como no Canadá as entidades reguladoras da indústria farmacêutica estão a exigir testes cada vez mais rigorosos antes do lançamento dum novo produto. Isto é compreensível devido ao facto de medicamentos aprovadas no passado terem-se revelado perigosos. Nos Estados Unidos a agência Food & Drugs Administration tornou-se mais cautelosa após casos de remédios que tiveram que sair do mercado quando doentes sofreram complicações que ocasionaram desenlaces fatais. Entre outros, foram retirados do mercado Rezulin, receitado para diabéticos, e Baycol, receitado para baixar o colesterol.

Testar novos produtos envolve a sucessão de fases de estudo e pode custar milhões. Só após resultados aceitáveis na fase inicial podem medicamentos seguir para a fase seguinte de experiência. Resultados desfavoráveis em qualquer das fases significa o abandono de testes.

Bristol-Myers Squibb tem conduzido estudos para um novo medicamento para hipertensão, Vanlev. Resultados preliminares mostram que ele não é mais eficiente do que produtos genéricos já existentes no mercado. Num estudo subsequente o produto revelou também efeitos secundários perigosos. Existem agora dúvidas se ele será alguma vez aprovado. Quando os resultados chegaram ao conhecimento do público, as acções da companhia desceram 16 por cento.

Também não há garantias de que uma outra firma não surja com um produto similar no mercado, ou até mais eficiente.

Um produto famoso, Viagra, foi posto no mercado por Pfizer. A companhia tem feito milhões com ele. Só em 2001 vendas de Viagra totalizaram $1.5 bilião de dólares (US). Mas este produto vai ter competição. GlaxoSmithKline PLC está a trabalhar num remédio de efeitos similares, Vardenafil. Eli Lilly & Co and ICOS Pharmaceuticals estão a trabalhar noutro, Cialis. Ao que sabemos uma companhia canadiana, com sede em Montreal, está também a fazer testes com um produto para impotência masculina. E outras companhias haverá, que desconhecemos, experimentando produtos similares...

Segundo a Pharmaceutical Research & Manufacturers of America, companhias farmacêuticas americanas dispenderam 30 biliões de dólares no ano passado (2001) experimentado novos produtos medicinais, o triplo do que despenderam há dez anos atrás, e só 52 novos remédios foram aprovados pela Food & Drug Administration quando em 1990 foram aprovados 64.

É difícil conceber o custo duma droga nova. Em muitos casos, após o dispêndio de centenas de milhares de dólares, drogas não chegam ao clinical-trial stage. Concluindo as três fases experimentais dum novo produto pode custar entre $300 a $800 milhões de dólares (US).

Para firmas pequenas um problema é acabar-se o dinheiro antes de terem um produto viável. Se as promessas são boas ajuda financeira poderá vir através duma nossa emissão de acções, qualquer forma de débito ou, nalguns casos, a ajuda dos grandes da indústria farmacêutica sempre dispostos a dar a mão aos pequenas por uma participação nos lucros do produto.

Algumas companhias canadianas envolvidas na produção de novos produtos farmacêuticos são: Biomira (produtos para o tratamento do cancro); Hemosol (substituto para hemoglobina); Bioniche (novos produtos para uso humano e veterinário); GenSci Regeneration Sciences Inc (regeneração óssea), esta última presentemente em reestruturação e debaixo de bancarrota voluntária. Além destas existem muitas outras companhias da indústria que são negociadas na bolsa de Toronto.

Se este sector tem mais riscos do que outros, os que querem investir em companhias desta indústria devem estuda-las e estar conscientes dos prós e contras. Este investimento não é recomendável para inexperientes ou aqueles que não podem perder dinheiro.

CONTABILIDADE

Tem-se dito a investidores para estudar os relatórios financeiros das companhias em que pensam investir para compreender a situação económica das mesmas. Mas com as descobertas feitas ultimamente de relatórios falsificados ou manipulados, que escapam aos próprios auditores, em que é que eles se podem basear para fazer uma avaliação consciente das mesmas?

Há companhias que aumentam deliberadamente receitas e reduzem despesas para mostrar uma situação económica mais favorável do que ela é na realidade. Investidores, especialmente nos Estados Unidos, suspeitam que as receitas que lhes são apresentadas não são dignas de confiança.

Empresas exageram lucros ao ignorar riscos de crédito, lançando verbas menores do que deviam na conta de dívidas duvidosas. Longos períodos de depreciação, excesso de capitalização e lançamento prematuro de receitas (créditos ainda não recebidos) são alguns dos artifícios usados para melhorar os resultados financeiros duma empresa.

Diferentes sistemas de contabilidade produzem resultados diferentes. Internacionalmente não há conformidade na maneira de lançar transacções nos livros contabilísticos. Receitas podem ser diminuídas e despesas exageradas. Isto acontece especialmente em países onde as taxas de ganhos de capital são elevadas, mas nos Estados Unidos acontece precisamente o oposto, o sistema premeia companhias que exageram receitas e diminuem despesas.

Para demonstrar a maleabilidade da contabilidade podemos usar o exemplo da companhia americana Boeing.

Para lançar um novo modelo de aeronave existe um custo inicial com protótipos, avaliações, treinos, etc. Esse custo é dividido e atribuído a cada avião produzido pela companhia. Quando a companhia decidiu aumentar o número de aeronaves no programa 777 ela reduziu a percentagem de custos do desenvolvimento designado a cada avião. O número inicial de aviões a sair dos hangares foi aumentado duas vezes. Inicialmente os aviões produzidos seriam 400; depois o número passou para 500 e finalmente para 600. Ao aumentar, por estimativa, o número de aviões a vender a companhia reduziu as despesas do desenvolvimento inicial lançada em cada trimestre. Este é um dos muitos exemplos da flexibilidade da contabilidade ao apresentar resultados financeiros.

Outra controvérsia actual é a que se refere a opções, se estas devem ser ou não lançadas nos livros de contabilidade como despesa. A polémica sobre o tema não desaparece. A agência internacional de contabilidade International Accounting Standards Board (IASB) está a preparar um plano que forçará companhias a apresentar opções como despesas. Resistência a esta directiva é enorme.

Se, como diz o ditado, quem vê caras não vê corações, quem lê relatórios financeiros pode não estar a ver a verdadeira situação económica duma empresa. Curiosamente são as companhias pequenas aquelas que tendem a apresentar relatórios translúcidos e a ser mais bem administradas do que as maiores. Nessas, em muitos casos, os directores têem uma boa parte de acções da companhia e quando assim acontece tal constitui bom sinal.

(Preparado em Agosto de 2002)

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