ANO 13 .............................................. No. 76

NOVEMBRO - DEZEMBRO 2008 ............ Director: Álvaro Trigo


ABERTURA

Estamos a viver um momento histórico como ninguém da nossa geração tem vivido. A situação económica é de incerteza e receio. Se fôssemos a escrever o que sentimos cada dia sairia um BOLETIM diferente.

Todos estamos preocupados com a crise do crédito. Pensa-se que há mais empresas à beira do colapso e que os mercados financeiros vão entrar numa crise longa.

Neste número tencionávamos escrever sobre MANITOBA TELECOM, uma companhia de telefones que pode interessar aos accionistas de BCE, no caso desta companhia ser privatizada. Decidimos dedicar exclusivamente este BOLETIM aos problemas financeiros que afectam cada um de nós. No próximo número escreveremos sobre a companhia de telefones de Manitoba.

Este foi o pior Outubro de sempre para as bolsas mundiais. Com o mercado em actuação inconstante torna-se difícil redigir algo de positivo sobre o mesmo. Descidas vertiginosas e profundas, seguidas por subidas menores. No total, a tendência é de queda e quando se afigura que a bolsa não pode descer mais, aí está ela em novo low e a aumentar o nosso pessimismo.

Discursos de George W. Bush e outros leaders mundiais foram insuficientes para estimular os mercados financeiros. Nem a bolsa de Nova Iorque, nem a de Toronto, os mercados asiáticos ou as praças europeias têm encontrado conforto nos discursos daqueles que orientam os nossos destinos.

A GRANDE CRISE DE 2008

Estamos a viver momentos de grande incerteza e receio sobre o estado do sistema financeiro e da economia mundial. Durante a nossa vida nunca nos confrontámos com uma situação tão grave como aquela a que assistimos presentemente. Apenas a grande depressão dos anos 30 se pode comparar em magnitude.

A crise financeira que se iniciou nos Estados Unidos, alargou-se globalmente e não há sobreviventes neste descalabro económico.

Porque se encontram as instituições financeiras em tão grande dificuldade? Na ânsia de bater a competição, elas envolveram-se numa política de crédito fácil aos consumidores e estão a sofrer as consequências.

Agora, procuram-se os responsáveis desta situação. Muitos dedos acusam os directores das companhias, muitos deles, em vez de zelar pelos interesses dos accionistas, actuam apenas motivados por interesses próprios. Se os directores actuassem responsavelmente não permitiriam que C.E.Os. tomassem posições arriscadas e arrecadassem compensações excessivas. Particularmente preocupante é o facto de alguns receberem milhões de dólares em ordenados, bónus e outras formas de compensação, enquanto as empresas que dirigiam se encontravam no limiar de bancarrota.

A política de “laissez faire” e a falta de vigilância de governos contribuíram para este desastre financeiro.

O PROBLEMA

A crise teve origem nos biliões de dólares, de crédito, concedidos a americanos, que não tinham nem história de emprego estável, nem recursos económicos para satisfazer os seus compromissos.

Consumidores sem crédito foram estimulados a entrar em dívida, utilizando cartões de crédito, empréstimos bancários ou hipotecas. “Dinheiro fácil” foi oferecido a qualquer requerente sem preocupação em saber se ele poderia ou não pagar. Quando consumidores viram o valor das suas casas baixar e verificaram que as hipotecas eram maiores do que o valor das propriedades, abandonaram-nas deixando as instituições com um problema nos braços.

à medida que mais e mais proprietários abandonaram as suas casas, o problema avolumou-se.

O mais difícil de compreender como é que um problema confinado aos Estados Unidos se tornou um problema mundial.

Devido a derivativos e pacotes complexos, a conjuntura desenvolveu-se como uma epidemia. Obrigações de dívida foram empacotadas em títulos (aparentemente garantidos por valores reais) que, na verdade, nem se sabia o que continham.

Infelizmente os melhores “cérebros” de instituições financeiras foram incapazes de prever a desagregação no mercado de habitação nos Estados Unidos e o subsequente “massacre” dos mercados financeiros. Que possibilidades temos nós, simples mortais, de antever tais acontecimentos?

Governos mundiais foram forçados a fazer o impensável: dispor de fundos estatais para suportar dívidas e obrigações de valor duvidoso.

INSOLVÊNCIA BANCÁRIA

Bancos constituem o pilar do sistema financeiro; por isso lhes confiamos o nosso dinheiro. Mas, na realidade, pelo menos em teoria, eles estão insolventes.

Bancos recebem depósitos de clientes e usam-nos para fazer empréstimos. A diferença entre o juros que oferecem pelos depósitos e o que levam pelos empréstimos representa o lucro. Agora, numa situação financeira a deteriorar, se existe a percepção pública de que bancos estão insolventes, clientes, não só não fazem depósitos, como levantam todos os fundos depositados. Como bancos estão impossibilitados de receber na totalidade empréstimos a longo prazo, tecnicamente não podem pagar a todos os que reclamam os seus fundos.

Depositantes não reclamam os seus depósitos ao mesmo tempo, mas existe essa possibilidade se se pensa que instituições financeiras não têm suficientes fundos para lhes devolver os investimentos. Naturalmente, bancos emprestam fundos uns aos outros e, no Canadá, depósitos estão seguros até $100,000.00 dólares, isto no caso da instituição falhar. Mas se existir a percepção de que eles estão em problemas tal pode influenciar a atitude de possíveis depositantes e accionistas.

GOVERNOS TOMAM ACÇÃO

Na maior intervenção estatal nos mercados financeiros desde a grande depressão dos anos 30, governos continuam a injectar fundos para adquirir ou suportar hipotecas e outros produtos financeiros. Nalguns casos, tornam-se apenas avalistas das responsabilidades bancárias.

Os governos do Reino Unido e da Alemanha foram os primeiros a estabelecer fundos para garantir os débitos dos bancos.

Apesar das medidas de diversos países os mercados financeiros continuam em alvoroço e a bolsas a movimentarem-se como um carrossel; mas enquanto quedas são profundas, subidas são menores.

Combinado com o pânico dos investidores, Mutual Funds são forçados a liquidar posições, para pagar investidores que resgatam os seus investimentos. Fundos hedge são forçados a cobrir os seus prejuízos. Tudo isto acelera a descida do mercado, arrastando boas e más companhias com ela.

A intervenção dos governos mundiais tenta controlar e solucionar a crise financeira. Isso pode resultar. Agora a crise económica e a recessão que se seguirá, é de mais difícil solução.

O GOVERNO DOS ESTADOS UNIDOS

Alan Greenspan, que até recentemente esteve à frente U.S. Federal Reserve Board, foi chamado a um Comité do Congresso americano para explicar a situação. Ele confessou que tinha ficado surpreendido com acontecimentos dos últimos tempos. Confessou que nunca previra nem a explosão do “subprime lending”, nem a queda precipitada do mercado imobiliário.

Ele revelou que não só estava chocado com os acontecimentos, como não podia compreender o que pudesse ter contribuído para colocar instituições financeiras à beira da bancarrota.

Mr. Greenspan mostrou-se igualmente desiludido com as actuações dos administradores de empresas. Afirmou que sempre acreditara que bancos e outras organizações pusessem o interesse dos accionistas e empregados acima de tudo e que eles não se aventurariam em hipotecas exóticas e derivativos arriscados.

O seu erro, confessou, foi ter acreditado que instituições se regulassem a si próprias. Ao contrário, o mercado lançou-se em excessos e especulações.

Mr Greenspan foi um campeão de deregulamentação e do conceito amplamente estabelecido de que “o mercado sabe melhor”...

O GOVERNO DO CANADÁ

O governo do Canadá decidiu garantir empréstimos a curto e longo termo feitos a bancos canadianos. Esta será uma medida temporária.

Bancos canadianos estão em boa situação comparados com os de outros países. Tal medida tornou-se apenas necessária para os manter em pé de igualdade com instituições estrangeiras que têm recebido garantias dos respectivos governos.

INSTITUIÇÕES MUNDIAIS

O INTERNATIONAL MONETARY FUND foi retirados da obscuridade e aparece, agora, na primeira linha de combate à crise financeira e situação periclitante de alguns governos arrastados por ela. Para problemas globais, instituições globais.

A IslÂndia foi a primeiro país a procurar a ajuda do IMF. Recebeu um empréstimo de 2.1 biliões de dólares. UcrÂnia e Hungria são outros dois países que procuraram ajuda international.

No entanto, é duvidoso que o IMF tenha capacidade financeira para “socorrer” todos os que apelam para o seu auxílio.

Ironicamente o IMF tem proposto como solução para a expansão económica uma maior liberalização de mercados – precisamente uma das causas dos problemas actuais.

NOVO ACORDO BRETTON WOODS?

O Presidente Bush convidou os dirigentes das 20 maiores potências económicas para uma reunião em Washington. Para alguns isto faz lembrar a reunião em 1944 no estado de New Hampshire, em Bretton Woods, em que os participantes concordaram em reconstruir o sistema económico abalado depois da Segunda Guerra Mundial.

MILTON FRIEDMAN E A “FREE ENTERPRISE”

Milton Friedman, um economista da Universidade de Chicago, e prémio Nobel, foi o fomentador duma teoria económica advogando a liberdade absoluta para os mercados. Ele criticou a intervenção do estado na economia, defendendo a ideia de que o estado deveria ter uma participação mínima na regulamentação na economia. O mercado sabe melhor...

As suas teorias económicas influenciaram chefes de estado e a direcção de economias mundiais.

Margaret Thatcher, cujo “pulso de ferro” mudou de direcção da economia britânica, seguiu as ideais de Friedman. Durante o seu governo ela “reduziu” a influência dos sindicatos no mercado do trabalho, que muitos acusavam de poder excessivo, e iniciou um período de rejuvenescimento da economia britânica.

Augusto Pinochet, no Chile, excluindo outras faltas que se lhe possam atribuir, restabeleceu a economia do país, onde a inflação era rompante, greves contínuas e o ambiente de pura anarquia. O país passou a ser apontado como um modelo de estabilidade económica.

Outro adepto das ideias de Friedman foi o Presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan. Neste caso a transformação da economia americana não foi visível. Reagan constituíu apenas um estímulo para um país desmoralizado, substituindo Jimmy Carter, este possivelmente o mais íntegro dos políticos americanos dos últimos tempos, mas vítima duma série de circunstâncias infelizes, entre as quais, a ocupação da embaixada americana em Teerão por revolucionários iranianos.

Perante a situação actual, muitos acusam Friedman de promover ideias que nos arrastaram par este caos financeiro.

QUAL A SOLUÇÃO?

A situação financeira actual atingiu tal gravidade que até os apologistas do “laissez faire” são forçados a reconhecer que o estado tem que assumir um papel mais importante no mercado, do que aquele que tem tido até agora. Estaremos a assistir ao fim da “self-regulation”?

O que se pergunta agora é como evitar uma crise igual no futuro. Propostas por países como a França e Alemanha sugerem que crises globais, exigem soluções globais. Isto implica a criação dum sistema internacional para controlar os bancos de diversos países.

Instituiçoes financeiras com actividades globais devem ser reguladas por leis globais. Mas, um país como os Estados Unidos estará preparado para ceder parte do controle sobre os seus bancos? O centro das decisões financeiras transferir-se-ão dos Estados Unidos para outra parte?

Americanos acabarão por solucionar os seus problemas. A moeda americana é (por enquanto) a moeda mundial de reserva, o país pode emitir mais débito e imprimir mais dinheiro, criando inflação, e, subsequentemente, desvalorizando a sua dívida externa. Mas a única certeza que existe é que vivemos um mundo de incertezas.

(1 de Novembro de 2008)

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